“E
já lá vai uma Década” título do texto em
homenagem a Alda Espírito Santo
São Tomé,
10 Mar. 2020 ( A Voz de São Tomé)
– “E
já lá vai uma Década” foi este o título do texto
em homenagem a Alda Espírito Santo por 10ª
aniversário do seu falecimento, lido por
Wildiley Barroca, Secretário-Geral da União
Nacional dos Escritores e Artistas são-tomenses,
segunda-feira em cerimónia presidida pelo
Presidente do Parlamento, Delfim Neves, na
presença da ministra da Cultura, Graça Lavres e
ministra dos Negócios Estrangeiros, Elsa Pinto,
entre outros convidados.
E JÁ LÁ VAI UMA DÉCADA …
Com a leveza de um pássaro voando nas belas e
tranquilas paisagens do sul, o tempo como que
também esvoaçou e eis que, quase que sem nos
darmos conta, dez anos se passaram sobre o
falecimento daquela que incarnou, como poucos, a
expressão dos sentimentos identitários dos
santomenses e que mereceu destes o afecto, o
respeito e a consideração, apenas conferidos aos
que se entregam, com genuína seriedade e
convicção, à nobre acção de os representar.
No caso vertente, a professora, poetisa e
activista política, Alda Espírito Santo.
Falar dela é retornar inevitavelmente ao
passado, pois foi há dez anos que desapareceu
aos nossos olhos, a mulher intrépida da
militância desde jovem nos círculos
político-literários africanos de Lisboa, onde
pontificavam reputados patriotas africanos,
oriundos das colónias sob o jugo de Portugal,
que aliados aos antifascistas e
anticolonialistas daquele país, se entregaram,
com empenho e destemor, à luta pela dignificação
dos africanos e de emancipação dos seus
destinos; a autora de chocantes versos
repudiando, com veemência e dor, os trágicos
ventos de loucura que, em Fevereiro de 1953,
varreram a ilha e levaram na sua irracionalidade
centenas e centenas de mulheres e homens
inocentes.
Ela foi ainda a jovem arrojada que, enfrentando
a severidade das temerosas forças policiais do
regime colonial, não temeu conceder apoio ao
advogado Dr. Palma Carlos, enviado em nosso
socorro, e expeliu dezenas de cartas ao
exterior, pelas quais exteriorizava a
repugnância que sentia pelos hediondos
acontecimentos perpetrados pelo colonizador sem
escrúpulos; o afã colocado no apoio, em pleno
regime colonial, à emancipação cultural dos
jovens santomenses, incitando-os à leitura, pelo
empréstimo de obras dos mais reputados
escritores progressistas da época, de que eu
próprio, estudante ainda do liceu, fui um dos
beneficiários; enfim, a sua preciosa
contribuição, de índole política e literária,
como Ministra da Educação e Cultura e Presidente
da Assembleia Nacional, e a criação, em 1985, da
União dos Escritores e Artistas Santomenses, de
que foi sempre a dinâmica Presidente.
Para quem, como vós, a acompanhou no difícil
processo de criação desta instituição, perdura a
imagem plena de determinação do seu rosto
incentivando-nos a seguir em frente, prova da
sua inigualável capacidade de incutir nos que
com ela operavam a ideia de que, juntos, eram
capazes de atingir os desejados objectivos,
ciente como era de que a única luta que se perde
é aquela que se abandona.
Recorde-se ainda que, membro do escol de
dirigentes que então se evidenciou no projecto
conducente à independência de S. Tomé e
Príncipe, Alda Espírito Santo, embrenhando-se na
estrada da imaginação, sacou do recanto mais
profundo do seu ego patriótico o texto do que
seria (e é ainda) o Hino Nacional, cujos versos
retratam, de forma assaz indesmentível, o seu
fervoroso apego à terra e ao povo, ao consenso,
à solidariedade e à conjugação de esforços na
nobre defesa dos interesses nacionais, num apelo
para que o futuro se pudesse consubstanciar num
ciclo histórico favorável à sua ditosa
concretização.
Eis-nos, agora, na cerimónia com que
honramos, uma vez mais, a memória de Alda
Espírito Santo, tendo bem presente que não nos
devemos eximir ao reencontro com a convicção que
ela exprimia ao reiterar que estamos do mesmo
lado da canoa, bem assim, a persistência que
colocava nos empreendimentos sob a sua direcção,
Dez anos após a data fatídica do seu
desaparecimento, perpassam por nós um fluxo
extraordinário de recordações de uma
personalidade de rara dimensão histórica,
cultural, política e cívica.
Por tudo isso, recordar Alda Espírito Santo
é rememorar o exemplo de uma mulher em que a
coragem, a frontalidade, a persistência, o
inconformismo e o fervoroso amor pátrio
constituíram traços destacados da sua
personalidade.
Disse um dia o poeta, numa fatídica
referência à morte: “não mais verás a chuva a
bater na vidraça, /nem ouvirás o rumor do vento
na floresta, /nem as aves abrindo as janelas da
manhã”(1).
Ora, se é verdade que já não somos capazes de
ter de novo entre nós aquela que tanto se
empenhou em prol da UNEAS e da cultura
santomense, de que era como que a irredutível
depositária, apropriemo-nos então, orgulhosos e
decididos, do legado social e cultural que nos
deixou, o qual depõe nas nossas mãos uma
fabulosa ferramenta para a prossecução dos
ditosos trilhos do futuro.
Enfim, algo de marcante que a sua memória
nos obriga a preservar, na construção desse
amado S. Tomé e Príncipe que, tal como ela,
todos desejamos mais próspero, mais justo, mais
solidário e mais digno
Fim/ Wildiley Barroca, Secretário-Geral da União
Nacional dos Escritores e Artistas de São Tomé e
Príncipe.